Poesias, crônicas, contos e dramaturgia escritas por: Geraldo Bernardo, tendo como cenário o sertão, seus personagens e mitos.


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ZÉ PIMBA, A HISTÓRIA DE UM DOIDO SABIDO. ESCUTADA E RECONTADA PELO DOIDO ARUPEMBA DE CÃINDA. CAP 3 - A CARREIRA ESGULEPADA ATRÁS DA VACA CHUÍTE.

Escrito por : Geraldo Bernardo em domingo, 21 de outubro de 2012 | 6:48 AM








A CARREIRA ESGULEPADA ATRÁS DA VACA CHUÍTE.

Apois, como eu dizendo, Zé Pimba, deixou a vaca Chuíte escapar do reservo do baixio. Isso foi no tempo em que morava na casa que fora do finado Adonias, aquele homem que morreu de uma doença estranha. Deus me livre lembrar das dores que aquele coitado sentia, era um sentimento horrível olhar na cara dele quando doía. O homem se esticava todo e dizia que tinha um bicho dentro da barriga dele.
 “Traga aqui uma faca que eu quero rasgar meu bucho”.
O coitado gritava. Nas faces do moribundo uma coisa sobrenatural de se ver, os olhos abuticados, a boca aberta de um todo mostrando os dentes encardidos do cigarro de boró que fumava quando ainda era sadio. Passou-se mais de quatro meses nos estertetores da morte, as pessoas vinham de longe, assistir sua agonia de falecimento. Pois, o finado Adonias morava num cu de mundo, pra lá do Estreito de Mané Rufino. Viveu numa casinha de taipa, onde tudo que tinha era o nada, um pote com água do Rio Piranhas, uma trempe solitária de fogo e panela. Viveu só e somente teve a rede como abrigo de cova.
         Seja bem vindo Doutor-professor Martins, homem das engenhosidades que vive inventando inventos, sente-se aqui nessa roda e tenha a paciência de escutar essa história de um cabra quase doido e muito sabido. Sabido das sabenças de escola e doido das sabedorias de um tempo que o mato era a lição de casa de todo sujeito que viveu nas entranhas do sertão seco. Pra vocês que não conhecem ainda este mestre que agora se ajunta ao doutor-coronel e a menina-mulher Claudinha, é o doutor Martins, homem que sabe inventar de um, o tudo, quase que o tudo mesmo, tem a sabedoria do moto perpétuo e da casa de taipa, sabe fazer alguidar e é engenheiro das arquiteturas de sala de reboco. Se aprochegue que eu fico é alegre de ser sabedor que dentro de suas sabedorias tem um espaço pra este contador das sabenças alheias.
         Como eu dizia, depois da morte e do finado Adonias, Zé Pimba, que já era menino taludo, pra lá de seis anos passados já tinha de nascimento, foi morar na casa que era do defunto falecido, pois o pai deste nosso doido e sabido herói, invocou que ia morar naquele finzão de mundo, com os oito filhos que já tinha feito sair de dentro das entranhas de sua brejeirinha esposa. Foi cuidar de umas poucas reses que Dona Otília, a dona daquele suvaco de serra, possuía. Era uma vaca preta amojada, um bezerro-toureco chamado de Mimoso mais a vaquinha Chuíte, que tinha perdido bezerro.
         Foi exatamente a vaquinha Chuíte que provocou a ameaça de morte a Zé Pimba. Não fosse que a vaca dera de falar e ameaçar, mas o pai do Zé Pimba, que num de seus momentos de fúria, de posse de um cutelo de foice que amolava numa pedra (dessas que nascem no leito rio) correu em busca de Zé Pimba com uma cara de ira que mais parecia açougueiro quando vai partir um osso de rês abatida.
         Aquele momento ficou gravado nas idéias de Zé Pimba. A vaca, que vinha sendo conduzida pelo cabresto curto, pois o pai mandara que ele, Zé Pimba, tirasse dali do reservo a vaquinha e levasse pro curral.
“Porque do jeito que aquela praga de vaca é ruim, é bem capaz de sair do reservo à noite e acabar com a vazante”.
E ordem de pai é coisa que se cumpre no imediatamente, nem carece de perguntar se pode ser mais tarde, tampouco deve dizer:
“Deixe primeiro eu terminar de cortar esse feixe de capim”.
Por que ordem de pai é ameaça de croques, cascudos e chibatadas num sendo cumprida na ligeireza do imediato.
         Assim foi de fato, que na passagem do colchete que dava acesso ao reservo, o pedacinho de corda escapuliu das mãos de Zé Pimba. Era tarde, mais pra ficar perto da tardinha, o sol já que amolecia de fazer calor, mas ainda brilhava rumando em direção ao poente. A peste da vaca desembestou em busca da vazante e Zé Pimba chinelou atrás. Chinelou é maneira de falar, pois nem chinelo tinha nos pés, tinha era calo de tanto pedregulho que pisava que nem doía mais. Foi nesse chinelamento que correu tanto que nem as pernas sentia, a vaca enchia os olhos no verde da rama de batata plantada na vazante e irrigada por vários galões d’água, carregados dum poço do Rio Piranhas que passava o ano seco, mas o Poço do Pilaro mantinha água durante toda a sequidão que se seguia depois do mês de agosto.
         Quanto mais Zé Pimba corria, menos conseguia segurar o cabresto da vaca indômita. Foi quando o pai avistou aquele esgulepamento de menino, buchudo e zambeta, despedaçamente, sendo vencido pela correria do animal. De cócoras que estava afiando o cutelo de foice pra mais tarde cortar lenha seca e levar um feixe pra casa. No que levantou-se do acocoramento o gume da foice fez luz de encandear os olhos no reflexo do sol, gume mais cortante foi a sentença de morte proferida pela pedagogia aterradora do pai.
         “Segura essa vaca ente sem futuro. Se essa praga entrar aqui na vazante eu te mato inseto. Juro pelos seiscentos mil diabos que acabo com tua raça, satanás. Ah! Cão dos infernos, tu deixe esse animal entrar aqui pra ver se eu num arranco tua cabeça trepeça ruim”
         Por sorte a vaca desandou numa barróca e se atrapalhou toda e Zé Pimba pôde alcançá-la pelo pedaço de corda. Ainda foi arrastado, levando pelo corpo toda sorte de paul, bascuio, bosta de gado, seixos e tudo o mais até encontrar um toco de pereiro onde enganchou o pedaço de corda estancando a fera desembestada.
         O pai olhava e praguejava fazendo caretas e ameaças de morte. Nisso Zé Pimba viu que seu enfurecido genitor se aproximava. Mais do que imediatamente prendeu bem a corda no pereiro baixo e fez fincapé em busca de casa, pois nessas horas a mãe pode até apanhar no lugar da gente.
Mas, o sertanejo endiabrado, na ânsia de aplacar sua fúria, não correu atrás do filho não, isso ele não fez, descontou todo se furor foi na vaquinha Chuíte, esmurrou tanto o pobre animal que das narinas do bovino correu sangue, não foi um filete ou outro não, parecia cachoeira vermelha e espumosa. Bateu até ficar cansado, depois seguiu em rumo de casa onde entrou vociferando para a esposa.
         “Diga aquele amaldiçoado do seu filho que vá buscar o animal que ele deixou fugir e traga pro curral e diga também pra ele não me aparecer pela frente senão arranco a cabeça daquela gota serena”
         Zé Pimba ouvindo lá da cozinha já se adiantou, buscou a vaca, que agora estava bem mansinha, e nessa noite só entrou em casa quando o pai dormiu.
         Se o doutor-coronel, essa menina Claudinha mais o professor das engenhosidades viessem a conhecer as brutalidades dos homens brutos, do tempo do carrancismo bruto, onde as ignorâncias embruteciam até os mansos, não estranhariam esses causos contados por quem assim conheceu, como conheci, Zé Pimba. Essas roças estão cheias desse aprendizado de mundo, onde aprender é a sobrevivência. Só pra que vocês tenham idéia dessa aprendizagem, de quem aprende bem aprendido, vou lhes contar como Zé Pimba aprendeu a montar no toureco Mimoso.
         Era tempo de levar o almoço para a roça... quer saber? Pois agora, de hoje mesmo, tá bom.


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