A
CARREIRA ESGULEPADA ATRÁS DA VACA CHUÍTE.
Apois, como eu dizendo,
Zé Pimba, deixou a vaca Chuíte escapar
do reservo do baixio. Isso foi
no tempo em que morava na casa que fora do finado Adonias, aquele homem que
morreu de uma doença estranha. Deus me livre lembrar das dores que aquele
coitado sentia, era um sentimento horrível olhar na cara dele quando doía. O
homem se esticava todo e dizia que tinha um bicho dentro da barriga dele.
“Traga aqui uma faca que eu quero rasgar meu bucho”.
O coitado gritava. Nas faces do
moribundo uma coisa sobrenatural de se ver, os olhos abuticados, a boca
aberta de um todo mostrando os dentes encardidos do cigarro de boró que
fumava quando ainda era sadio. Passou-se mais de quatro meses nos estertetores
da morte, as pessoas vinham de longe, assistir sua agonia de falecimento. Pois,
o finado Adonias morava num cu de mundo, pra lá do Estreito de Mané Rufino.
Viveu numa casinha de taipa, onde tudo que tinha era o nada, um pote com água
do Rio Piranhas, uma trempe solitária de fogo e panela. Viveu só e somente teve
a rede como abrigo de cova.
Seja bem vindo
Doutor-professor Martins, homem das engenhosidades que vive inventando
inventos, sente-se aqui nessa roda e tenha a paciência de escutar essa história
de um cabra quase doido e muito sabido. Sabido das sabenças de escola e doido
das sabedorias de um tempo que o mato era a lição de casa de todo sujeito que
viveu nas entranhas do sertão seco. Pra vocês que não conhecem ainda este
mestre que agora se ajunta ao doutor-coronel e a menina-mulher Claudinha, é o
doutor Martins, homem que sabe inventar de um, o tudo, quase que o tudo mesmo,
tem a sabedoria do moto perpétuo e da casa de taipa, sabe fazer alguidar e é
engenheiro das arquiteturas de sala de reboco.
Se aprochegue que eu fico é alegre de ser sabedor que dentro de suas
sabedorias tem um espaço pra este contador das sabenças alheias.
Como eu dizia, depois da
morte e do finado Adonias, Zé Pimba, que já era menino taludo, pra lá de seis
anos passados já tinha de nascimento, foi morar na casa que era do defunto
falecido, pois o pai deste nosso doido e sabido herói, invocou que ia morar
naquele finzão de mundo, com os
oito filhos que já tinha feito sair de dentro das entranhas de sua brejeirinha
esposa. Foi cuidar de umas poucas reses que Dona Otília, a dona daquele suvaco
de serra, possuía. Era uma vaca preta amojada, um bezerro-toureco chamado de
Mimoso mais a vaquinha Chuíte, que tinha perdido bezerro.
Foi exatamente a
vaquinha Chuíte que provocou a ameaça de morte a Zé Pimba. Não fosse que a vaca
dera de falar e ameaçar, mas o pai do Zé Pimba, que num de seus momentos de
fúria, de posse de um cutelo de foice que amolava numa pedra (dessas que nascem
no leito rio) correu em busca de Zé Pimba com uma cara de ira que mais parecia
açougueiro quando vai partir um osso de rês abatida.
Aquele momento ficou
gravado nas idéias de Zé Pimba. A vaca, que vinha sendo conduzida pelo cabresto
curto, pois o pai mandara que ele, Zé Pimba, tirasse dali do reservo a vaquinha e levasse pro
curral.
“Porque do jeito que aquela praga de
vaca é ruim, é bem capaz de sair do reservo
à noite e acabar com a vazante”.
E ordem de pai é coisa que se cumpre no
imediatamente, nem carece de perguntar se pode ser mais tarde, tampouco deve
dizer:
“Deixe primeiro eu terminar de cortar
esse feixe de capim”.
Por que ordem de pai é ameaça de croques, cascudos e chibatadas num
sendo cumprida na ligeireza do imediato.
Assim foi de fato, que
na passagem do colchete que dava acesso ao reservo, o pedacinho de corda escapuliu das mãos de Zé Pimba.
Era tarde, mais pra ficar perto da tardinha, o sol já que amolecia de fazer
calor, mas ainda brilhava rumando em direção ao poente. A peste da vaca
desembestou em busca da vazante e Zé Pimba chinelou atrás. Chinelou
é maneira de falar, pois nem chinelo tinha nos pés, tinha era calo de tanto
pedregulho que pisava que nem doía mais. Foi nesse chinelamento que correu tanto que nem as pernas sentia, a vaca
enchia os olhos no verde da rama de batata plantada na vazante e irrigada por
vários galões d’água, carregados dum poço do Rio Piranhas que passava o ano
seco, mas o Poço do Pilaro mantinha água durante toda a sequidão que se seguia
depois do mês de agosto.
Quanto mais Zé Pimba
corria, menos conseguia segurar o cabresto da vaca indômita. Foi quando o pai
avistou aquele esgulepamento de
menino, buchudo e zambeta, despedaçamente, sendo vencido pela correria do
animal. De cócoras que estava afiando o cutelo de foice pra mais tarde cortar
lenha seca e levar um feixe pra casa. No que levantou-se do acocoramento o gume
da foice fez luz de encandear os olhos no reflexo do sol, gume mais cortante
foi a sentença de morte proferida pela pedagogia aterradora do pai.
“Segura essa vaca ente
sem futuro. Se essa praga entrar aqui na vazante eu te mato inseto. Juro pelos
seiscentos mil diabos que acabo com tua raça, satanás. Ah! Cão dos infernos, tu
deixe esse animal entrar aqui pra ver se eu num arranco tua cabeça trepeça ruim”
Por sorte a vaca
desandou numa barróca e se
atrapalhou toda e Zé Pimba pôde alcançá-la pelo pedaço de corda. Ainda foi
arrastado, levando pelo corpo toda sorte de paul, bascuio,
bosta de gado, seixos e tudo o mais até encontrar um toco de pereiro onde
enganchou o pedaço de corda estancando a fera desembestada.
O pai olhava e
praguejava fazendo caretas e ameaças de morte. Nisso Zé Pimba viu que seu
enfurecido genitor se aproximava. Mais do que imediatamente prendeu bem a corda
no pereiro baixo e fez fincapé
em busca de casa, pois nessas horas a mãe pode até apanhar no lugar da gente.
Mas, o sertanejo endiabrado, na ânsia de
aplacar sua fúria, não correu atrás do filho não, isso ele não fez, descontou
todo se furor foi na vaquinha Chuíte, esmurrou tanto o pobre animal que das
narinas do bovino correu sangue, não foi um filete ou outro não, parecia
cachoeira vermelha e espumosa. Bateu até ficar cansado, depois seguiu em rumo
de casa onde entrou vociferando para a esposa.
“Diga aquele amaldiçoado
do seu filho que vá buscar o animal que ele deixou fugir e traga pro curral e
diga também pra ele não me aparecer pela frente senão arranco a cabeça daquela
gota serena”
Zé Pimba ouvindo lá da
cozinha já se adiantou, buscou a vaca, que agora estava bem mansinha, e nessa
noite só entrou em casa quando o pai dormiu.
Se o doutor-coronel,
essa menina Claudinha mais o professor das engenhosidades viessem a conhecer as
brutalidades dos homens brutos, do tempo do carrancismo bruto, onde as ignorâncias embruteciam até os
mansos, não estranhariam esses causos contados por quem assim conheceu, como
conheci, Zé Pimba. Essas roças estão cheias desse aprendizado de mundo, onde
aprender é a sobrevivência. Só pra que vocês tenham idéia dessa aprendizagem,
de quem aprende bem aprendido, vou lhes contar como Zé Pimba aprendeu a montar
no toureco Mimoso.
Era tempo de levar o
almoço para a roça... quer saber? Pois agora, de hoje mesmo, tá bom.
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