Olhe aqui, espie só, seu Doutor-coronel. Digo-lhe sem pedir
compromisso de segredo, porque essa solicitação de segredo num é carecida, uma
vez que, menina Claudinha, pode ter certeza que se todo mundo soubesse
(pai-de-familia devia trazer essa sabença dentro das entranhas do juízo,
quando nasce), disso que eu vou dizer sem carência de ser guardado, num sabe,
doutor engenheiro de versos e rimas que me escuta, disso que eu vou dizer pode
dizer pra todo mundo, inclusive esse homem que faz artesanato com as letras,
que vem lá da cidade de Pombal, mestre Jerdivan, pra também escutar essa
sabedoria que aprendi pelas veredas escuras da ignorância e do clarear do
saber. Pois bem, eu vou dizer amigo Lucio Flávio, que já passeou pelas agonias
da vida de sertanejo na seca do bêrrêóbró, essa sabença que eu
não disse ainda, viu... essa menina Vilminha, não disse porque ainda não tinha
lhe visto, e é pra vocês que me acompanham assim doidamente neste palavreado
sem rumo, embaixo dessa latada de tempo, no prumo desaprumado da
doidice, digo-lhes, e, para isto devo inté abrir aspas para que fique
gravado bem gravado nas acontecências que fizeram Zé Pimba meio adoidado,
“Quem, quando menino foi criado na pedagogia
da tapa, tabefe e tapaôio, desaprega o juízo dentro da caixa de
morar piôio.”
Pode crê poeta-engenheiro Zé Martins, foi desse jeito que aquele negócio, que o
douto professor chama de encéfalo, foi desprendendo as amarras dentro do quengo
duro de Zé Pimba. Foi tanta caçuleta, cascudo, croque e tapa no
tronco da uréia, que os tempos de meninice serviu de graduação e
doutoramento na doidice de Zé Pimba.
Mas, olhe aqui Claudinha, se num lhe digo que além de toda a pedagogia
paternal, num havera de ter outra coisa que rebulia tanto com os miolos
de Zé Pimba? Ainda menino, lá por volta da idade de nove anos, quando morava na
casa do finado Adonias, coisa aqui já relatada que nem precisava mais falar
desse causo contado. Pois, Claudinha, branquinha de lábio rosado, assim desse
jeitinho que tu és. Assim mesmo, como você, com esses mesmos olhos que mais
parecem o céu, quando lavado e passado pano nas águas de anil, com esse azulado
assim, pintado pelas divinas mãos da natureza, com esses mesmos olhos que fazem
a gente se arrepiar todo quando tu olha na prastada dos olhos da gente.
E também com umas sardas, assim pintadinha na galeguice dos ombros, um ferrugemzinho
desbuíado por riba do pau da venta, assim no meio do encontro dos
peitos (que não se via, mas se imaginava) e mais um enferrujamento que
se escondia junto com aquele monte de peito nascido de pouco tempo e que só
viviam na imaginação de Zé Pimba.
Pois não é que aquela menina Daquina, que no batistério tinha o nome escrito
como Joaquina, que ainda era prima daquele desajeitado e alesado Zé
Pimba, pois num é camarada Lúcio Flávio, homem de projetos, cachaças e saudades
de um Congresso que se deu no Recife. Apois, como eu ia dizendo, aquela
diabinha que como feição de ser uma belezura de menina-moça, mas que era
chamada de moleca véia, porque vivia de jogar bila nos terreiros
de casa. Aquela moleca véia, que tinha até mais três anos de idade na
frente de Zé Pimba. Pois num é, que aquela diaba, vivia morando nas imagens que
se formavam dentro da cabeça desmiolada de Zé Pimba?
Por mais que aquele projeto de doido tentasse esquecer, as lembranças dos risos
nasciam dentro do quengo dele, numa forma que não esmorecia de aparecer,
parecendo água que nasce na cacimba e vai enchendo, enchendo e quanto mais a
gente desgóta, mais água vai aparecendo, as ferrugens uma a uma, um
sinalzinho preto no pescoço, um cacho de cabelo na testa, parecendo enfeite de
ouro que o sol minerava e cuidava de polir para combinar com aquela beleza.
Quando todas as imagens chegavam a encher todo o pensamento do matuto, já esbórrotando,
ao invés de cair, arrebentando as paredes daquela cacimba de paixão, o que caía
era a noção de tempo e lugar, e o maluco dava um grito bem alto e saía às
carreiras – gritando de braços abertos – era a doideira de vez.
E Daquina? Num era isso que o doutor Jerdivan das letras pombalenses ia me
perguntar? Pois eu conto. Daquina era mesmo uma moleca véia, mais sabida
que os outros sabiam que ela sabia. Tanta sabedoria só pra fazer o coitado do beradeiro
abilolado ficar pensando que de nada sabia do saber de viver. Apois
o que ele sabia era roer, sabia roer tanto que babava, parecia tá roendo
macaúba, roía tanto que feria as gengivas, feria a alma, sentia dor de dente,
ficava com febre alta, nó na goela e a cacimba afogando o juízo com as imagens
desmanteladas daquele amor descabido pela descabelada Daquina, menina véia
que jogava bila.
Só pra maltratar aquele desinfeliz, machucando os nervos já amolecidos
da febre da paixão, quando o cabra vira molambo nas mãos de uma peste como
aquela, ela dizia toda ancha:
“Eu gosto é de caubói, daqueles que num tem medo de nada”.
Depois dava rabissaca e saía dando gaitadas de todo
tamanho. Deixando o esmoler de atenção, o sem teto de paixão, ali jogado na
insignificância do monturo dos desejos. Era como se Daquina, só pra inflamar,
descascasse uma ferida que nunca sarava, todo dia descascasse mais e depois
espremesse com toda força aquela chaga fazendo sangrar bem muito. Daquele jeito
já tava virando ferida ruim, grangrenando o peito ulcerado do matuto noviço nas
artes de querer bem demais.
Naqueles dias, que eram os dias de começar a bróca pra mode
preparar a terra pra plantar, pois logo, logo se dava tempo de inverno, que dos
meses do bêrrêóbró já era o terceiro. E, nesse tempo, o que é de vaca e
bezerro fica tudo no curral comendo de algum capim guardado em silo ou resíduo
de caroço de algodão. Pois bem, naqueles dias, com aquela história de que “eu
gosto é de caubói”, enchendo a cacimba das suas agonias mentais, foi que Zé
Pimba teve a idéia de montar o bezerro, toureco já, que era chamado de
Mimoso, só pra mostrar praquela ferida braba que qualquer um pode ser caubói.
Depois de centas e tantas quedas, muitas peladuras e com umas das pá fora de lugar conseguiu domar o
bovino adolescente. E quando viu que já conseguia dominar o bicho no osso, que
é quando se faz montaria sem cela e sem cangalha, segurando apenas os pés
cruzados no vazio do animal. Quando disso tudo já sabia fazer, surpreendeu
Daquina no caminho da roça, quando ia deixar o almoço dos trabalhadores da
bandeira de seu pai. Naquele dia ele conseguiu desgótar toda e cacimba e disse:
“Tá vendo como eu também sei ser caubói?”
Daquina, sentindo-se golpeada no mesmo veneno foi dizendo... mas, isso eu só
conto adispois....