Poesias, crônicas, contos e dramaturgia escritas por: Geraldo Bernardo, tendo como cenário o sertão, seus personagens e mitos.


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ZÉ PIMBA, A HISTÓRIA DE UM DOIDO SABIDO. ESCUTADA E RECONTADA PELO DOIDO ARUPEMBA DE CÃINDA. Cap. 4 - DAS ACONTECÊNCIAS QUE SÓ PIORAM AS DOIDEIRAS DUM DOIDO.

Escrito por : Geraldo Bernardo em quinta-feira, 8 de novembro de 2012 | 1:56 AM





Olhe aqui, espie só, seu Doutor-coronel. Digo-lhe sem pedir compromisso de segredo, porque essa solicitação de segredo num é carecida, uma vez que, menina Claudinha, pode ter certeza que se todo mundo soubesse (pai-de-familia devia trazer essa sabença dentro das entranhas do juízo, quando nasce), disso que eu vou dizer sem carência de ser guardado, num sabe, doutor engenheiro de versos e rimas que me escuta, disso que eu vou dizer pode dizer pra todo mundo, inclusive esse homem que faz artesanato com as letras, que vem lá da cidade de Pombal, mestre Jerdivan, pra também escutar essa sabedoria que aprendi pelas veredas escuras da ignorância e do clarear do saber. Pois bem, eu vou dizer amigo Lucio Flávio, que já passeou pelas agonias da vida de sertanejo na seca do bêrrêóbró, essa sabença que eu não disse ainda, viu... essa menina Vilminha, não disse porque ainda não tinha lhe visto, e é pra vocês que me acompanham assim doidamente neste palavreado sem rumo, embaixo dessa latada de tempo, no prumo desaprumado da doidice, digo-lhes, e, para isto devo inté abrir aspas para que fique gravado bem gravado nas acontecências que fizeram Zé Pimba meio adoidado,
“Quem, quando menino foi criado na pedagogia da tapa, tabefe e tapaôio, desaprega o juízo dentro da caixa de morar piôio.”
         Pode crê poeta-engenheiro Zé Martins, foi desse jeito que aquele negócio, que o douto professor chama de encéfalo, foi desprendendo as amarras dentro do quengo duro de Zé Pimba. Foi tanta caçuleta, cascudo, croque e tapa no tronco da uréia, que os tempos de meninice serviu de graduação e doutoramento na doidice de Zé Pimba.
         Mas, olhe aqui Claudinha, se num lhe digo que além de toda a pedagogia paternal, num havera de ter outra coisa que rebulia tanto com os miolos de Zé Pimba? Ainda menino, lá por volta da idade de nove anos, quando morava na casa do finado Adonias, coisa aqui já relatada que nem precisava mais falar desse causo contado. Pois, Claudinha, branquinha de lábio rosado, assim desse jeitinho que tu és. Assim mesmo, como você, com esses mesmos olhos que mais parecem o céu, quando lavado e passado pano nas águas de anil, com esse azulado assim, pintado pelas divinas mãos da natureza, com esses mesmos olhos que fazem a gente se arrepiar todo quando tu olha na prastada dos olhos da gente. E também com umas sardas, assim pintadinha na galeguice dos ombros, um ferrugemzinho desbuíado por riba do pau da venta, assim no meio do encontro dos peitos (que não se via, mas se imaginava) e mais um enferrujamento que se escondia junto com aquele monte de peito nascido de pouco tempo e que só viviam na imaginação de Zé Pimba.
         Pois não é que aquela menina Daquina, que no batistério tinha o nome escrito como Joaquina, que ainda era prima daquele desajeitado e alesado Zé Pimba, pois num é camarada Lúcio Flávio, homem de projetos, cachaças e saudades de um Congresso que se deu no Recife. Apois, como eu ia dizendo, aquela diabinha que como feição de ser uma belezura de menina-moça, mas que era chamada de moleca véia, porque vivia de jogar bila nos terreiros de casa. Aquela moleca véia, que tinha até mais três anos de idade na frente de Zé Pimba. Pois num é, que aquela diaba, vivia morando nas imagens que se formavam dentro da cabeça desmiolada de Zé Pimba?
         Por mais que aquele projeto de doido tentasse esquecer, as lembranças dos risos nasciam dentro do quengo dele, numa forma que não esmorecia de aparecer, parecendo água que nasce na cacimba e vai enchendo, enchendo e quanto mais a gente desgóta, mais água vai aparecendo, as ferrugens uma a uma, um sinalzinho preto no pescoço, um cacho de cabelo na testa, parecendo enfeite de ouro que o sol minerava e cuidava de polir para combinar com aquela beleza. Quando todas as imagens chegavam a encher todo o pensamento do matuto, já esbórrotando, ao invés de cair, arrebentando as paredes daquela cacimba de paixão, o que caía era a noção de tempo e lugar, e o maluco dava um grito bem alto e saía às carreiras – gritando de braços abertos – era a doideira de vez.  
         E Daquina? Num era isso que o doutor Jerdivan das letras pombalenses ia me perguntar? Pois eu conto. Daquina era mesmo uma moleca véia, mais sabida que os outros sabiam que ela sabia. Tanta sabedoria só pra fazer o coitado do beradeiro abilolado ficar pensando que de nada sabia do saber de viver. Apois o que ele sabia era roer, sabia roer tanto que babava, parecia tá roendo macaúba, roía tanto que feria as gengivas, feria a alma, sentia dor de dente, ficava com febre alta, nó na goela e a cacimba afogando o juízo com as imagens desmanteladas daquele amor descabido pela descabelada Daquina, menina véia que jogava bila.
         Só pra maltratar aquele desinfeliz, machucando os nervos já amolecidos da febre da paixão, quando o cabra vira molambo nas mãos de uma peste como aquela, ela dizia toda ancha:
“Eu gosto é de caubói, daqueles que num tem medo de nada”.
Depois dava rabissaca e saía dando gaitadas de todo tamanho. Deixando o esmoler de atenção, o sem teto de paixão, ali jogado na insignificância do monturo dos desejos. Era como se Daquina, só pra inflamar, descascasse uma ferida que nunca sarava, todo dia descascasse mais e depois espremesse com toda força aquela chaga fazendo sangrar bem muito. Daquele jeito já tava virando ferida ruim, grangrenando o peito ulcerado do matuto noviço nas artes de querer bem demais.
         Naqueles dias, que eram os dias de começar a bróca pra mode preparar a terra pra plantar, pois logo, logo se dava tempo de inverno, que dos meses do bêrrêóbró já era o terceiro. E, nesse tempo, o que é de vaca e bezerro fica tudo no curral comendo de algum capim guardado em silo ou resíduo de caroço de algodão. Pois bem, naqueles dias, com aquela história de que “eu gosto é de caubói”, enchendo a cacimba das suas agonias mentais, foi que Zé Pimba teve a idéia de montar o bezerro, toureco já, que era chamado de Mimoso, só pra mostrar praquela ferida braba que qualquer um pode ser caubói.
         Depois de centas e tantas quedas, muitas peladuras e com umas das pá fora de lugar conseguiu domar o bovino adolescente. E quando viu que já conseguia dominar o bicho no osso, que é quando se faz montaria sem cela e sem cangalha, segurando apenas os pés cruzados no vazio do animal. Quando disso tudo já sabia fazer, surpreendeu Daquina no caminho da roça, quando ia deixar o almoço dos trabalhadores da bandeira de seu pai. Naquele dia ele conseguiu desgótar toda e cacimba e disse:
“Tá vendo como eu também sei ser caubói?”
         Daquina, sentindo-se golpeada no mesmo veneno foi dizendo... mas, isso eu só conto adispois....

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