Poesias, crônicas, contos e dramaturgia escritas por: Geraldo Bernardo, tendo como cenário o sertão, seus personagens e mitos.


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NÃO JULGUE POR ANTECIPAÇÃO.

Escrito por : Geraldo Bernardo em sábado, 17 de outubro de 2020 | 5:20 AM



Na loja de material de construção, toca o telefone do cliente encoberto por gôndolas e expositores. O toque é um esturro orgasmático, pornô, em alto volume:

- Oi!

- ...

- E só pode ir se for agora?

- ...

- Tá bom.

De repente o suspeito dono do celular de toque constrangedor pega a fila do caixa carregado de impaciência.

Conta quantos estão a sua frente, confere a compra de todos, fiscaliza a lerdeza do funcionário atendente. Pega o telefone e liga.

Enquanto aguarda a chamada vai girando o corpo na fila até dar a volta completa e a voz cibernética pedir pra deixar mensagem. Faz cara de irritado. Comenta ao léu:

- Léo tem telefone pra quê? Isso me dá ódio.

Liga de novo. Léo atende.

- Léo, filho da puta, dormindo uma hora dessa? Corre vai lá em casa, vá ligeiro. Que o eletricista tá indo lá e Salete tá sozinha.

Todos se entreolham. Os funcionários fingem normalidade.

- Tô na loja Léo, vim comprar as coisas, vá lá, ligeiro, antes do eletricista chegar e encontrar Salete sozinha.

Os olhos aboticados da professora, escondem a boca escancarada atrás da máscara. O volume da voz aumenta:

- Confiar Léo? Naquela cachorra? Vá logo filho da peste. Se aquele cabra chegar lá, encontrar Salete sozinha, sei não... aquela minha mulher...

O ritmo diminui no interior da loja. O cliente atendido saiu olhando para trás, quase esbarrou na moça que fotografava um produto.

- Léo, uma vez cachorra, sempre cachorra. E tem mais, quem faz um, faz um cento, basta ter cipó e tempo. Vá lá agora, não deixe o eletricista chegar e encontrar Salete sozinha. Vou desligar, chegou minha vez, vou sair daqui correndo também, mas, vá, agora!

Enquanto guardava o telefone atrasou um pouco a fila, o atendente aproveitou para vingar-se do comentário lá do começo e gritou:

- Olha a fila!

Meio atarantado, o suspeito ciumento, foi falando enquanto era atendido:

- É Fila sim. Tem quase três anos. Gorda, deve estar pesando uns trinta quilos, mas, quando avança em cima de uma pessoa vai com quase cem quilos. E eu, rapaz, tô aqui aperreado, porque o eletricista vai lá em casa começar um serviço e Salete, minha mulher, tá sozinha, e aquela minha mulher, sei não, não consegue segurar a cachorra, que agora tá com mania de avançar em cima das pessoas, anteontem quase mata o encanador.

Terminou de pagar, pegou as compras e saiu apressado, como se diz lá em nós: saiu que o rabo era um veio.

Ouve-se o grito do  atendente:

- Olha a fila!

 

 

 

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