CHAMAM-ME DE MATUTO BERADEIRO
por
Geraldo Bernardo
Quando eu era pequeno,
de roupa só tinha um calção,
mesmo assim amarrado de imbira,
um cinturãozim feito de cipó,
a fivela era um nó
que eu dei aqui bem na frente,
morava na beira do rio
junto de meus parentes,
é por isso que ainda hoje,
por este sertão inteiro,
meus amigos só me chamam
de matuto beradeiro.
Vem aqui na minha lembrança,
a fivela era um nó
que eu dei aqui bem na frente,
morava na beira do rio
junto de meus parentes,
é por isso que ainda hoje,
por este sertão inteiro,
meus amigos só me chamam
de matuto beradeiro.
Vem aqui na minha lembrança,
o fuso de fiar de minha vó,
que rodava no sentido horário,
que rodava no sentido horário,
hoje ao contrário,
giro na cabeça uma manivela,
giro na cabeça uma manivela,
só pra mode fazer dela,
uma máquina e no tempo voltar.
Nos dias de minha infância
uma máquina e no tempo voltar.
Nos dias de minha infância
cansei de ver meu pai armar:
quixó, arapuca e arataca,
adoçar café com garapa,
quixó, arapuca e arataca,
adoçar café com garapa,
lamber do tacho a rapa
e comer o sobrecu de galinha
que só morria
nos resguardos de mãinha.
Sabão era preto,
feito de tripa e potássio
e comer o sobrecu de galinha
que só morria
nos resguardos de mãinha.
Sabão era preto,
feito de tripa e potássio
e não pense que era fácil,
botar água de ancoreta
e galo marreta pra brigar,
ainda hoje gosto deste jeito
de ligeiro falar,
de encostar o pé na parede,
botar água de ancoreta
e galo marreta pra brigar,
ainda hoje gosto deste jeito
de ligeiro falar,
de encostar o pé na parede,
gosto de me balançar na rede,
qualidade pra mim é cor
e encarnado é vermelho.
Chiclete eu troco por fruta de juazeiro
e marrã é fêmea nova de carneiro,
é por isso que me chamam
de matuto beradeiro.
Lembro do tempo quando
qualidade pra mim é cor
e encarnado é vermelho.
Chiclete eu troco por fruta de juazeiro
e marrã é fêmea nova de carneiro,
é por isso que me chamam
de matuto beradeiro.
Lembro do tempo quando
ainda tinha os trinta e dois dentes,
morava com meus parentes
morava com meus parentes
e tinha o bucho cheio de lombriga.
Oh! Tempinho bom!
Oh! Tempinho bom!
Quando guardanapo era rodilha,
tipóia rede de dormir
e guarda-roupa era mala.
No tempo que eu era menino,
tipóia rede de dormir
e guarda-roupa era mala.
No tempo que eu era menino,
não era muito traquino,
brincava de subir em mangueira,
brincava de subir em mangueira,
cajueiro e goiabeira,
no espinhaço do bezerro Mimoso,
que tinha esse apelido
em homenagem a um moinho,
e nas galhas de minha "Ráida Coité",
no espinhaço do bezerro Mimoso,
que tinha esse apelido
em homenagem a um moinho,
e nas galhas de minha "Ráida Coité",
onde a fiação era rama de jitirana,
o microfone um sabugo.
Eu era o locutor me sentindo todo bacana
e o outros me chamando de maluco.
Todo matuto que se preza,
o microfone um sabugo.
Eu era o locutor me sentindo todo bacana
e o outros me chamando de maluco.
Todo matuto que se preza,
aprende um monte de reza
e cura todo tipo de doença,
e cura todo tipo de doença,
cada uma das mais estranhas,
umbigo sara com teia de aranha,
o chá da flor de toco
arranca catarro novo,
cabra de novo,
casadinho senta em bacia de ovo,
água de coco nos olhos
acaba com o dordói
e chá de alecrim
alivia de todo mal ruim
de quizila, pereba, estrepe,
umbigo sara com teia de aranha,
o chá da flor de toco
arranca catarro novo,
cabra de novo,
casadinho senta em bacia de ovo,
água de coco nos olhos
acaba com o dordói
e chá de alecrim
alivia de todo mal ruim
de quizila, pereba, estrepe,
bucho inchado e arroto choco,
pantin, lundu,
todo tipo de mazela
até pra febre amarela
pantin, lundu,
todo tipo de mazela
até pra febre amarela
ele é recomendado.
E há um método
que se aplica com todo cuidado,
estando o sujeito sentado
ele deve se levantar,
erguer os braços e encostar
E há um método
que se aplica com todo cuidado,
estando o sujeito sentado
ele deve se levantar,
erguer os braços e encostar
num pé de parede qualquer,
ficando o ente esticado
feito Cristo crucificado,
aí vem o curador inspirado
ficando o ente esticado
feito Cristo crucificado,
aí vem o curador inspirado
com um pedaço de barbante,
daí em vante é que se dá o muído,
o barbante deve ser estirado no comprido,
no peito de bico a bico,
ficando um pouco distante
de num dos bico encostar,
está diagnosticado o mal que o cabra sofre
daí em vante é que se dá o muído,
o barbante deve ser estirado no comprido,
no peito de bico a bico,
ficando um pouco distante
de num dos bico encostar,
está diagnosticado o mal que o cabra sofre
– é espinhela caída.
Depois é deixar o sujeito ficar bem cansado
e quando o curador tiver rezado
umas vinte ave-marias
e pra mais de trinta pai-nosso,
enquanto aquele que tá todo espremido,
"apregado" na parede vai relaxando os ossos,
reza mais um ou dois babujados diferentes,
falado pelo meio dos dentes
e se benze por inteiro.
Estirando novamente o barbante
e ele assim encostando,
no peito, de mamilo a mamilo,
é por que o doente já ficou curado daquilo.
É remédio na medida
Depois é deixar o sujeito ficar bem cansado
e quando o curador tiver rezado
umas vinte ave-marias
e pra mais de trinta pai-nosso,
enquanto aquele que tá todo espremido,
"apregado" na parede vai relaxando os ossos,
reza mais um ou dois babujados diferentes,
falado pelo meio dos dentes
e se benze por inteiro.
Estirando novamente o barbante
e ele assim encostando,
no peito, de mamilo a mamilo,
é por que o doente já ficou curado daquilo.
É remédio na medida
pra quem sofre de espinhela caída,
bom na cura e na recaída.
Digo isso por mim
que sou curado por inteiro.
É por isso que me chamam
de matuto beradeiro.
Suvela cozida numa panela de barro,
em riba de uma trempe
onde dois tição de angico
avermelham o fogaréu,
fazendo o caldo "babuiá"
parecendo "mingá",
é só ver que me "alembro"
de uma casinha velha,
quase nada tinha nela:
uma mesa, dois tamboretes,
debaixo de uma copeira um pote
bom na cura e na recaída.
Digo isso por mim
que sou curado por inteiro.
É por isso que me chamam
de matuto beradeiro.
Suvela cozida numa panela de barro,
em riba de uma trempe
onde dois tição de angico
avermelham o fogaréu,
fazendo o caldo "babuiá"
parecendo "mingá",
é só ver que me "alembro"
de uma casinha velha,
quase nada tinha nela:
uma mesa, dois tamboretes,
debaixo de uma copeira um pote
se espreguiçava na cantareira.
Cabresto, arreio e sela
pendurados numa parede de taipa
bem rebocadinha,
ali pouca coisa tinha,
mas reinava toda a pureza.
Uma lamparina acesa,
lamparinando o escuro,
menino deitado numa tipóia
sem pensar no presente,
nem projetar o futuro,
já pra mais de seis e meia,
com as galinhas no poleiro,
chega mais do que ligeiro
Cabresto, arreio e sela
pendurados numa parede de taipa
bem rebocadinha,
ali pouca coisa tinha,
mas reinava toda a pureza.
Uma lamparina acesa,
lamparinando o escuro,
menino deitado numa tipóia
sem pensar no presente,
nem projetar o futuro,
já pra mais de seis e meia,
com as galinhas no poleiro,
chega mais do que ligeiro
um pai de família honrado,
que saiu antes do sol nascer
que saiu antes do sol nascer
sem deixar em casa um palito de "fósco"
e só voltou naquele instante
com um sorriso radiante,
pois ainda conseguiu pescar
e só voltou naquele instante
com um sorriso radiante,
pois ainda conseguiu pescar
com um resto de landuá, três suvela,
trouxe da vazante um cunzinhado de batata
pra ver se assim mata
a fome dos meninos e da mulher.
pra ver se assim mata
a fome dos meninos e da mulher.
Só quem conhece o roçado,
fez coivara do mato brocado
e trabalhou no alugado,
compreende como traço meu sertão por inteiro
e vai entender porque eu me orgulho
de ser chamado de matuto beradeiro.
fez coivara do mato brocado
e trabalhou no alugado,
compreende como traço meu sertão por inteiro
e vai entender porque eu me orgulho
de ser chamado de matuto beradeiro.
+ comentários + 2 comentários
valeu Geraldo.
continua assim.
É muito difícil aqui pelo sertão, a gente não dar de cara com uns quatro ou cinco ARUPEMBAS. Todos iguais e diferentes. Simplicidade e esperteza.
Todo Arupemba é um santo safado.
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Obrigado!