Poesias, crônicas, contos e dramaturgia escritas por: Geraldo Bernardo, tendo como cenário o sertão, seus personagens e mitos.


Home » » MATUTO BERADEIRO

MATUTO BERADEIRO

Escrito por : Geraldo Bernardo em sábado, 19 de fevereiro de 2011 | 9:29 AM


CHAMAM-ME DE MATUTO BERADEIRO

por
Geraldo Bernardo

Quando eu era pequeno,

de roupa só tinha um calção,
mesmo assim amarrado de imbira,
um cinturãozim feito de cipó,
a fivela era um nó

que eu dei aqui bem na frente,
morava na beira do rio

junto de meus parentes,
é por isso que ainda hoje,

por este sertão inteiro,
meus amigos só me chamam

de matuto beradeiro.

Vem aqui na minha lembrança,
o fuso de fiar de minha vó,
que rodava no sentido horário,
hoje ao contrário,
giro na cabeça uma manivela,
só pra mode fazer dela,
uma máquina e no tempo voltar.
Nos dias de minha infância
cansei de ver meu pai armar:
quixó, arapuca e arataca,
adoçar café com garapa,
lamber do tacho a rapa
e comer o sobrecu de galinha
que só morria

nos resguardos de mãinha.
Sabão era preto,

feito de tripa e potássio
e não pense que era fácil,
botar água de ancoreta

e galo marreta pra brigar,
ainda hoje gosto deste jeito

de ligeiro falar,
de encostar o pé na parede,
gosto de me balançar na rede,
qualidade pra mim é cor

e encarnado é vermelho.
Chiclete eu troco por fruta de juazeiro
e marrã é fêmea nova de carneiro,
é por isso que me chamam

de matuto beradeiro.

Lembro do tempo quando
ainda tinha os trinta e dois dentes,
morava com meus parentes
e tinha o bucho cheio de lombriga.
Oh! Tempinho bom!
Quando guardanapo era rodilha,
tipóia rede de dormir

e guarda-roupa era mala.
No tempo que eu era menino,
não era muito traquino,
brincava de subir em mangueira,
cajueiro e goiabeira,
no espinhaço do bezerro Mimoso,
que tinha esse apelido

em homenagem a um moinho,
e nas galhas de minha "Ráida Coité",
onde a fiação era rama de jitirana,
o microfone um sabugo.
Eu era o locutor me sentindo todo bacana
e o outros me chamando de maluco.

Todo matuto que se preza,
aprende um monte de reza
e cura todo tipo de doença,
cada uma das mais estranhas,
umbigo sara com teia de aranha,
o chá da flor de toco

arranca catarro novo,
cabra de novo,

casadinho senta em bacia de ovo,
água de coco nos olhos

acaba com o dordói
e chá de alecrim

alivia de todo mal ruim
de quizila, pereba, estrepe,
bucho inchado e arroto choco,
pantin, lundu,
todo tipo de mazela

até pra febre amarela
ele é recomendado.
E há um método

que se aplica com todo cuidado,
estando o sujeito sentado

ele deve se levantar,
erguer os braços e encostar
num pé de parede qualquer,
ficando o ente esticado

feito Cristo crucificado,
aí vem o curador inspirado
com um pedaço de barbante,
daí em vante é que se dá o muído,
o barbante deve ser estirado no comprido,
no peito de bico a bico,
ficando um pouco distante

de num dos bico encostar,
está diagnosticado o mal que o cabra sofre
– é espinhela caída.
Depois é deixar o sujeito ficar bem cansado
e quando o curador tiver rezado
umas vinte ave-marias

e pra mais de trinta pai-nosso,
enquanto aquele que tá todo espremido,
"apregado" na parede vai relaxando os ossos,
reza mais um ou dois babujados diferentes,
falado pelo meio dos dentes

e se benze por inteiro.
Estirando novamente o barbante

e ele assim encostando,
no peito, de mamilo a mamilo,
é por que o doente já ficou curado daquilo.
É remédio na medida
pra quem sofre de espinhela caída,
bom na cura e na recaída.
Digo isso por mim

que sou curado por inteiro.
É por isso que me chamam

de matuto beradeiro.

Suvela cozida numa panela de barro,
em riba de uma trempe
onde dois tição de angico

avermelham o fogaréu,
fazendo o caldo "babuiá"

parecendo "mingá",
é só ver que me "alembro"

de uma casinha velha,
quase nada tinha nela:

uma mesa, dois tamboretes,
debaixo de uma copeira um pote
se espreguiçava na cantareira.
Cabresto, arreio e sela
pendurados numa parede de taipa

bem rebocadinha,
ali pouca coisa tinha,

mas reinava toda a pureza.
Uma lamparina acesa,

lamparinando o escuro,
menino deitado numa tipóia
sem pensar no presente,

nem projetar o futuro,
já pra mais de seis e meia,

com as galinhas no poleiro,
chega mais do que ligeiro
um pai de família honrado,
que saiu antes do sol nascer
sem deixar em casa um palito de "fósco"
e só voltou naquele instante

com um sorriso radiante,
pois ainda conseguiu pescar
com um resto de landuá, três suvela,
trouxe da vazante um cunzinhado de batata
pra ver se assim mata

a fome dos meninos e da mulher.
Só quem conhece o roçado,
fez coivara do mato brocado

e trabalhou no alugado,
compreende como traço meu sertão por inteiro
e vai entender porque eu me orgulho
de ser chamado de matuto beradeiro.
Compartilhe este artigo :

+ comentários + 2 comentários

25/02/2011, 20:20

valeu Geraldo.
continua assim.

Anônimo
05/10/2013, 08:31

É muito difícil aqui pelo sertão, a gente não dar de cara com uns quatro ou cinco ARUPEMBAS. Todos iguais e diferentes. Simplicidade e esperteza.
Todo Arupemba é um santo safado.

Postar um comentário

Obrigado!

Video - Vale dos Dinossauros

Arquivo do blog

Seguidores

Facebook

Postagens populares

Tempo Agora

Total de visualizações

 
Suporte : Tradução e Edição | Johny Template | Mas Template
Copyright © 2013. Matuto Beradeiro - Todos os direitos reservados
Template Created by Creating Website Published by Mas Template
Tecnologia : Blogger