PAGADÁ, PAGADÁ, PAGADÁ, PAGADÁ.
Geraldo Bernardo
Eita! Esse negócio de ajuntar gente tá ficando meio graúdo.
Pois, vocês se abanquem (aqui pra nós – “o carteiro cajazeirado
deve ter trazido uma das ‘boa’, pra mode móiá a goela). Se achegue
que nós vamos perseguir as vivências deste ente vivido no eito do tempo. Cabra véio
vividor, cabôco das roças e da rua e que nós ainda nem começamos
a contar as estrepolias vividas nas pontas de rua, lugar onde o povo chama de
periferia, pois ele ainda é um menino, meio que infuluído, mas é menino,
nem calça comprida usou ainda e já meteu na cabeça de se apaixonar, esse
cabeçudo, das idéias mais frouxas que as calçolas da finada Maria (que Deus
tape-lhe as ouças).
Mas, pra que primeiramente a gente comece pelo começo, que na verdade é o fim
de onde deixamos, precisa-se de que os outros companheiros que já nos acompanha
nessa estrada cheia de veredas saindo por todos os lados, como eu dizia,
precisa-se, num é verdade Lúcio Flávio? Precisa-se dizer que a moleca véia
Daquina, que todos vocês já conhecem, tava indo deixar a panela de angu com
galinha na roça, porque aquele era o almoço do pai dela, o Zé Preá, que inté
ainda era meio parente do Zé Pimba, aquele cabinha meio infuluído
que mais parecia um papagaio do cu roído, mas que era doido por Daquina, como
todos vocês já sabem, num é professor Martins, poeta das engenhosidades
mecânicas?
E Daquina, que seguia sozinha naquela hora em que a cigarra assobia sem parar,
parecendo que tá se assoprando do solzão de meio-dia, apois num é
que de repente aquele piado de cigarra que a gente não acha nunca, foi
interrompido. Foi interrompido por uma zoada que fazia assim: pagadá,
pagadá, pagadá, pagadá – num era: pocotó-pocotó-pocotó-pocotó – era não.
Era - pagadá, pagadá, pagadá, pagadá – coisa diferente de ser escutada
daquele jeito, pois a cadência daquele pagadá era de dum desembestamento
tão... tão desmedido que parecia o trotear da besta-fera quando bate as sete pruvinça.
Num devia de ser uma pessoa montada num jumento, porque jumento faz pocotó
(égua também), cavalo num era, cavalo faz um pocotó cheio de charme,
quase um pucutum, tinha de ser um bicho mais pesado, um... um... boi?
Mas, o pagadá de boi num era daquele jeito, Daquina sabia muito bem que
só quem faz uma sonoplastia daquela é bicho amuntado e açoitado. E,
“quem havera de andar muntado num boi?” Ela pensava perguntando, porque
isso era pergunta mais que descabida, primeiramente porque boi num é bicho que
sirva de montaria, “adispois – num desembestamento daquele...”
Por causa da hora sagrada do sol do meio-dia, que tem a força dos mistérios da
meia-noite, só que sendo invertido, Daquina começou a ficar um tantinho
assustada, ainda abriu a boca e disse:
“Ôxe, que presepada é essa?”
Juro a você Vilminha, como se lá estivesse eu olhando aquilo lá. Chego fico
arrepiado só de pensar. E o “pagadá, pagadá, pagadá, pagadá” foi
ficando mais perto e mais alto. Daquina começou a se agarrar com um rebanho de
nome de santo e buscou força nas canelas que negaram motricidade.
“Agora? Vixe NossaSenhora, mãe de JesusCristim, o que será de mim? Isso
deve ser o cão”
“pagadá, pagadá, pagadá, pagadá”
Daquina procurava se esconder, mas ali era só lajedo e o sol alumiando, abrindo
um clarão de geral para o solo de cigarra.
“pagadá, pagadá, pagadá, pagadá”
A cigarra encerrou apressadamente seu número e recolheu-se no sinistro do
silêncio momentâneo que mais parecia um esconderijo de catacumba. O coração de
Daquina querendo sair pela boca e ela de dente trincado pra segurar as cordas
da emoção que já enviavam de dentro do peito pulsante um bolo, daqueles que vem
arrebentando tudo e que quando chega ao céu da boca é choro ou grito de terror.
Daquina quase não acreditou, quando avistou aquilo.
Pois num é professora Elizeth, talvez a senhora nem acredite nisso, que é coisa
deste sertão mesmo, diferente das terras gaúchas. Mas, pode ter certeza do que
lhe digo e Lúcio Flávio aqui, que não me deixa mentir, sabe que presepada de
paixão sertaneja num é coisa pouca não.
Pois foi
isso, Zé Pimba vinha escanchado no espinhaço do toureco Mimoso, os pés
cruzado no vazio do bicho, deitado no lombo do animal e agarrado com a castanha
adolescente daquele bovino, vinham fungando os dois, olhou para o susto que os
olhos de Daquina gritava e disse:
“Tá vendo como eu também sei ser
caubói?”
E foi passando direto, porque o
freio do toureco não atendia a nenhum comando. Estavam os dois, Zé Pimba e
Mimoso, vivendo um corpo só.
Aquele bolo que vinha saindo de dentro de Daquina, chega vinha recheado de
terror, virou na horinha mesmo, ali no meio daquele lajedo, virou numa ira tão
grande, num dá nem pra medir a imensidão daquela fúria, as lágrimas que já
vinham cachoeira para os olhos de Daquina, viraram labaredas de ódio e então
ela gritou para o abestado do Zé Pimba:
“Deixa de ser doido, leso véio. Tomara que caia uma queda e quebre o
pescoço, seu... abestado.” E, para humilhar, arrematou: “suba e desça e
de mim se esqueça, caboré de loca”
Ele ouviu, ouviu tudinho, mas, tempo de responder num teve. É que o
bezerro “riscou” bem em riba de uma touceira de xique-xique. A
sorte de Zé Pimba é que na velocidade em que vinha, voou desmanteladamente,
caindo adiante no lajedo quente em brasa.
Daquina aproveitou pra cair na gaitada, enquanto Zé Pimba tentava
levantar-se com as ventas saindo sangue, o couro da testa ficou enfeitando o
lajedo e a vermelhidão do sangue se fez máscara. Zé Pimba não tinha o que
dizer, levantou-se, pegou o toureco cansado e saiu engolindo o choro
enquanto Daquina gargalhava de propósito.
Ora, nem bem passou uma semana, tava ele lá de novo, inventando um meio de
fazer as pazes. Foi aí, nesse novo invento que todo mundo passou a dizer que
ele era doido. Mas, peraí... tão me chamando prum golinho de café, vou
buscar, quer também Claudinha?...
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