Poesias, crônicas, contos e dramaturgia escritas por: Geraldo Bernardo, tendo como cenário o sertão, seus personagens e mitos.


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ZÉ PIMBA, A HISTÓRIA DE UM DOIDO SABIDO. ESCUTADA E RECONTADA PELO DOIDO ARUPEMBA DE CÃINDA. – CAP.6 – DE CARA DESCARNADA, DESCASCADA E DESCARADA.

Escrito por : Geraldo Bernardo em domingo, 2 de dezembro de 2012 | 10:47 PM



Assim cheio de casca de ferida a cara de Zé Pimba ficou. Digo seu Doutor-coronel. Por riba dos olhos nem sobrancelha tinha. Era só aquela casca e foi juntando pus, desculpe professora Elizeth esse meu palavreado feio, mas, digo assim procês sentirem como foi o resguardo daquela queda, do toureco Mimoso, que sofreu Zé Pimba.
Intrigado de Daquina de sangue a fogo. Era o sangue que aparecia na cara, no meio daquelas manchas descascadas e saradas que mudava o tom da pele, o sangue que parecia subir dos pés para o centro do juízo, antes passando pela fervura de um coração que tinha mania de ser pulador dentro das caixas do peito. Aquele sangue de matuto que queria ter brio e nunca mais falar com aquela moleca véia. E o fogo. Ah! Se tu visses Claudinha, capaz de derreter tudo mesmo, derreter até aquela fuça entojada de quem não quer querendo. Um fogo que derretia a força de vontade de Zé Pimba, derretendo todas as lembranças: da queda, da vergonha de quando sofreu a queda, do jeito como ela o chamou de lesou véio, de como ela desejou a queda, da gaitada que ela deu depois que ele caiu, era muita vergonha pra ser derretida naquele fogo de paixão que cozinhava todo seu gênio.
Olhe professor, num sei, mas acho que se o senhor é assim um homem-poeta cheio das engenhosidades, que veio até aqui, embaixo desta latada, ouvir este matuto falar das acontecências, se o senhor tem assim esse sentimento, deve ter se apaixonado um dia. Deve ter sentido seu coração mole e, entender o quanto é perigoso o cabra ter um coração derretido. De tudo o sujeito inventa pra dar um jeito de sentir o calor da presença da pessoa que lhe acende o facho. Né não, amigo Lúcio Flávio, nós até já falamos disso, foi ou num foi?
Mas, o que interessa aqui é Zé Pimba. Com seu coração num latejar latente, lembrou-se de ir, em busca do Poço de Mané Pedro, com a desculpa de pescar umas suvelas, que eu não sei se a Elizeth, essa gaúcha curitibana, sabe o que é. Pois lhe digo, suvela é uma traíra já velha – num sabe o que traíra também não? – Vixe! Traíra é um peixe muito feio, mas que basta um poço com lama que ele sobrevive. Quando não cresce, por falta de alimento, a traíra atrofia o corpo e cresce só a cabeça, essa é a suvela.
Então, como ia contando, Zé Pimba inventou de pegar suvela, sendo que aquela invenção era uma invencionice sem cabimento. Pois, nem cabia de inventar pesca, já que a pescaria era cabimento inventado pelo abestado com a invenção de passar perto de onde estava Daquina que, naquele dia, tinha inventado de ir com a mãe lavar roupa do outro lado do Poço de Mané Pedro.
Tu precisavas ver Gilvan, meu irmão. De um lado, do Poço fundo e largo, sem nada perceber, Zefa Crente, crente que Zé Pimba tava lá só pra pescar e ele crente que toda muganga que fizesse seria vista por Daquina, esta estava crente que Zé Pimba ia fazer uma das suas abestagens. E fez.
Primeiramente Zé Pimba armou um laço numa ponta de vara, que era a mesma vara de pescar, uma vara comprida tirada de um marmeleiro zarolho, daquelas que enverga até quase dobrar e não quebra. É uma vara assim que serve pra pescar, mas, você deve tá fazendo a mesma pergunta que meu amigo carteiro, Wendel, “e ele ia pescar o peixe no laço?”. Claro que não, devido que peixe não é laçado, a não ser peixe voador. Zé Pimba assim procedia porque antes não procedeu como devia ter procedido. O certo é que o sujeito antes de pescar deve pegar as iscas, esse procedimento é o que todo pescador, por ruim que seja, deve saber. Mas, a pescaria era só desculpa, enquanto Zé Pimba ficava pensando nas coisas que faria se conquistasse o amor de Daquina – como comprar jumento, burros e mulas pra poder negociar – enquanto o pensamento empreendedor de Zé Pimba viajava num tempo diferente, que é o tempo do pensar, enquanto seu olhar se perdia numa nuvem com formato de cabrito, outra de gavião, umazinha de coração...
A vara sacudiu, “a isca havera de ter caído no laço”, foi de supetão que o juízo do matuto fugiu do deslizar nas espumas das nuvens e caiu no laço da realidade, para ver que tipo de isca tinha caído no laço. E tinha sido laçado exatamente aquilo que ele queria laçar, não era o coração de Daquina, para este fim precisava de outro laço. O laço de náilon feito na ponta de vara de marmeleiro tinha laçado um camaleão, exatamente o bicho que Zé Pimba queria pegar, pra fazer dele isca de pegar suvela.
Enquanto Zé Pimba escalava o bicho, o que é Vilminha? Sabe como é escalar um bicho não? Pois, lhe digo, é quando a gente, com uma faca bem cortante, vai cortando bem reto ao longo da espinha do bicho e abrindo em duas bandas, tirando pelo espinhaço os miúdos, aquilo que o doutor disse que eram vísceras, depois põe para secar, que serve por muito tempo em casa que não possui essas modernidades de geladeira. Mas, eu dizia... sim, enquanto escalava o camaleão Zé Pimba não parava de pensar em como armar um laço para laçar Daquina. Tinha de ser uma laçada bem dada, laço que ela não visse, até mesmo porque esse tipo de laço é invisível, não é laço atirado com a mão em ponta de vara, é laço que se maneja com o coração e os olhos, laçada boa que não pode deixar escapar a isca de nossa paixão. Ficava ele imaginando como isso era possível, de armar um artifício de laço, para laçar uma isca que acabava por pescar o sujeito, era do tipo de pescaria onde o pescador era o pescado. Nessas horas é que Zé Pimba, com esses pensamentos, pensava, ele mesmo, que era doido.
As carnes do camaleão ainda tremiam, acabando de morrer, quando Zé Pimba pôs o primeiro naco do rabo do bicho no anzol. Porque do camaleão só aproveita, na pescaria, o rabo. O resto, não havendo peixe da pescaria, o restante do bicho serve de tempero, é a mistura pra farofa de feijão do dia seguinte, bichinho limpo que só come folha. Basta! Bem picadinho com uma coisinha de alho, de cebola e cominho, dá um caldo gostoso, se tiver uma natinha é melhor ainda.
Eita! Hoje eu tô que tô, né não, Jerdivan? Só fugindo do assunto da pescaria de Zé Pimba.
Mas, é que pescaria é assim mesmo, os pensamentos vão e vêm e, mesmo que não estejam ligados, misturam-se de tal maneira que a gente se perde nas horas e nas ideias. Mas, vez por outra a gente acaba se encontrando com a resposta principal de nosso objetivo, que é pescar. E já que pesquei a atenção de vocês, vou continuar contando as acontecências desse Zé.
O anzol desceu lá pro fundo do poço escuro, uma chuva rasteira de piabas mergulhou junto, mas, voltaram. Piaba tem fôlego curto, só mergulha no raso. A isca ia bem fundo pelo peso do chumbinho no encontro do anzol com a linha, tão fundo quanto os pensamentos de Zé Pimba em relação a Daquina. Zé que naquele instante viajava até o porão de seus pensamentos, planejava casar com Daquina, plantar bastante algodão, comprar um jipe e todo dia de sábado ir a feira, de jipe com Daquina. Aquele coração apaixonado já caía na isca dos pensamentos abestalhados que fisgam a atenção dos enamorados, quando... a isca do anzol tremeu, puxou para um lado, depois para o outro, Zé Pimba ficou de pé, apoiou o pé num monte de barro, a linha dava sopapos e fazia finca-pé no fundo do poço. Zé Pimba puxou daqui, puxou dacolá, deu um puxão com força pra cima, e... o anzol empacou em alguma coisa. Não ia nem vinha. O anzol do pai, não era nem pra pegar sem ele ver, quanto mais perder. E agora? Só podia estar enganchado num tronco afundado, numa raiz do fundo do rio, e agora? Era só o que perguntava a si mesmo. Não podia simplesmente cortar a linha, nem podia demorar-se muito em resolver aquilo. Tinha que ser breve. Olhou para o outro lado do poço e lá estava Daquina estendendo roupa no quarador enquanto a mãe ensaboava. Daquina nem observou o quanto ele se debatia com a vara e nada. O anzol permanecia sem sair do lugar.
Só havia um jeito, mergulhar. Mergulhar e tirar, desenroscar, aquela praga de anzol. Zé tirou a camisa, enterrou a vara no chão, aquela movimentação já começou a ser observada pela mãe de Daquina, que vez por outra dava uma espiadela,
“Oxe! Aquele doido vai é tomar banho em vez de pescar?”
Zefa Crente nem imaginava das agonias que se passavam dentro do quengo do desafortunado Zé Pimba. Quando ele pulou na água, mãe e filha ficaram observando. Só devia ser doido mesmo, aquele poço era fundo que só a gota, só os mais experientes tinham coragem de atravessá-lo a nado, isso quando era tempo de seca, no inverno, durante as cheias, ninguém passava por ali, os poucos que se aventuraram foram tragados pelo redemoinho das águas.
“Ou é muito doido ou muito corajoso, onde já se viu” – Zefa Crente começou a ficar preocupada, Daquina nada dizia, só olhava e nada entendia.
“Menino, saia daí, é perigoso” – o grito ecoava pelas margens espantando periquitos e sonhins.
Zé Pimba nem ouvia os reclames de Zefa Crente. Mergulhou acompanhando a linha presa do anzol chegando até lá em baixo. Mas, não conseguiu encontrar em que estava presa, o fôlego acabou. Voltando à tona e olhando para a outra direção do rio, Zé Pimba pôde ver Zefa Crente pulando, e abrindo e fechando os braços, ele não entendeu nada.
Mergulhou novamente seguindo a linha, seguindo a linha, seguindo a linha, até que... fisgou o próprio dedo no anzol, de repente uma dor terrível, o dedo espetado (bem no canto da unha) prendia-o ao fundo do poço, procurou terra nos pés, cadê? Tinha não. Procurou fazer impulso e subir, cadê? Pôde não, procurou gritar e o grito? Engoliu um gole de água, depois outro, ficou aperreado, parecia que tava suando no fundo poço. Ouviu um zumbido, procurou terra nos pés, de novo, encontrou quase nenhuma força nas pernas, tentou dar impulso, subir, tomar fôlego, só conseguia engolir água e desespero, puxou o dedo preso no anzol que fisgou ainda mais. Depois disso tudo ele disse que não lembrava mais, a não ser aquelas imagens perdidas, esquecidas, bem longe, numa escuridão de memória. Nessas imagens ele sentia uma força puxando-o para fora do poço, via o brilho forte do sol na cara ardida, com as feridas, já quase saradas, arrebentadas, via depois, a cara de aflição de Zefa Crente, Daquina rindo sem parar, via a cara da mãe aflita, o rosto de terror do pai e daí... o escuro.

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