Los tres niños
Madrecita,
pobrezinha de fazer dó, viu moço bonito de brinco na orelha, com cara de cigano.
Correu, brigou, chorou e disse que morria por ele; amancebou-se, fez ninho lá
por trás da represa antiga, casinha pobre de taipa, pertinho da pedreira onde o
cigano tirava o sustento. De noite tomava umas e outras e ficava esperando a
lua com a viola do lado. Madrecita junto de seu homem passaram-se assim mais de
dez anos. Madrecita não era boa de cria, sempre gorava os menininhos, numa
destas vezes, já era quase nono mês, tinha o corpinho todo formado, olhinhos
tão pretos que só o escuro da alma dolorida de Madrecita. Madrecita chorou,
chorou, depois se calou e ficou novamente seca. Seu homem vinha, esfregava,
fungava, depois descansava, já não usava mais brinco na orelha, nem tinha mais
os dentes mais brancos que se via naquele fim de mundo, não cheirava mais a pé
de manjericão, tinha as mãos cheias de calos e a viola encostada num canto da
sala era depósito de poeira, não havia mais lua cheia e nos olhos possuía uma
amargura de fel.
Madrecita passou mais três
anos sem que vingasse um rebento, depois deixou que acontecesse; sabia, agora
dava certo, tinha que aproveitar aquele instante. Seu cigano só pensava em
beber, depois batê-la. Madrecita queria matá-lo. Planejou que devia deixar
semente, queria deixar um rosto bonito no mundo, resultado daquela união, não
queria que ficassem falando mal dela. Naquele fim de mundo era fácil que alguém
caísse na pedreira, pensou, fácil desaparecer sem ninguém perguntar, ficou
pensando, depois que sentisse que o bucho estava durinho, sentisse a firmeza do
menino se mexendo dentro dela, deixe que ela sabia o que fazer.
Quando o inverno chegou, o
bebê estava nasce mais não nasce, era chegado o momento, imaginou que o cigano
estivesse dormindo no barracão, cheio de cachaça, como era costume de todo dia.
Quando saiu, o céu estava carregado, era chuva, muitas nuvens escuras cobriam o
mundo numa névoa triste, não sabia o que sentia: uma dor, sofrer demais, remorso
depois de tudo.
O cigano tinha o corpo
magro, o que outrora fora atlético estava quase esquelético, mesmo com o bucho
quebrado, com a lama e a chuva, o rosto molhado mirava-o através de um véu de
lágrimas, uma profunda tristeza assassina. Correu com aquele cadáver nos
ombros, cai não cai sobre o corpo gélido, livrou-se dele no precipício, a lama
de poeira de pedra, parecia mingau cozido por dinamite, foi-se misturando com
aquele vermelho fraquinho que a chuva transportava num filete sem rumo.
Quando nasceram os
trigêmeos, Madrecita quase não acreditou, sentiu novamente o hálito com cheiro
de manjericão em sua nuca, viu aqueles mesmos olhos negros, pensou ter visto um
sinal de brinco, a velha viola, morada de aranhas e poeira, parecia reviver o
velho tempo de cordas afinadas, bailando nas pontas dos dedos suaves do cigano
quando a bolinava.
Não tardou muito tudo se
transformou em belo e verde, os olhos de Madrecita irromperam uma bela manhã de
fartura, a primeira colheita sem o cigano, uma alegria incompleta naquela pobre
existência onde duas fartas mamas deliciavam três corações sedentos de leite.
Depois do acidente, ninguém mais reparava em Madrecita, alguns conhecidos até
chegaram a consolá-la; entre o acidente e parto ficou sozinha naquele fim de
mundo, os menininhos nasceram nos dias em que as dores eram lancinantes,
somente Dadinha Doida, como que saída de seu alçapão alucinado, sabia cuidar
daquelas feridas abertas pelo remorso; naquela precisão de pobre, só Dadinha,
que parecia ter recobrado o juízo, entendia o sofrimento de Madrecita. Eram os
últimos dias de lucidez de Dadinha, morreu como passarinho, não fosse a espuma
cheia de baba num canto da boca, seu rosto só deixou-lhe visível os olhos de
criança e um riso de boba, novamente Madrecita estava só.
Era preciso ir buscar
mandioca. Havia uma pequena plantação no baixio, os meninos comiam demais.
Madrecita era precavida, havia aprendido com o cigano, saiu sentindo a mesma
sensação daquele dia de chuva e remorso quando percebeu que seu peito se
contraía cada vez mais; correu para casa, queira juntar os três menininhos, e
se alguma coisa pudesse acontecer? Melhor estar junto. Queria protegê-los.
Quando saíra jogou como sempre aquelezinho maior dentro da mesma barroca de
chão batido da cozinha, sentiu uma vontade grande de ir buscá-lo, sabia que ele
cuidava dos outros dois, que jamais iriam para o poço, tinham o batente como
limite.
Maior que aquela dor
sentida pelo cigano, quando despencou na pedreira, feito saco de lixo.
Madrecita virou farrapo quando cigano veio buscar seus filhos, fazendo do poço
da cozinha cova, como plantando uma semente, Madrecita regou com lágrimas uma
dor de agulha dentro do peito.
(Do livro NORDESTIA
- contos de Geraldo Bernardo)
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