Poesias, crônicas, contos e dramaturgia escritas por: Geraldo Bernardo, tendo como cenário o sertão, seus personagens e mitos.


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Mestre Pereira

Escrito por : Geraldo Bernardo em segunda-feira, 25 de março de 2013 | 2:15 AM


 


Mestre Pereira

Curador de mordida de cobra. Cuspia na boca do sujeito e pronto! Podia estar revirando os olhos, saltava logo da rede e já podia comer a fussura de um bode inteiro.

Só não pôde curar comadre Auta, nem deu tempo, foi repentino, a cobra já estava esperando, foi morder e morrer. Tinha já o veneno preparado. Aviso não faltou, Mestre Pereira até que aconselhou mudar de lugar, porém o tempo passou e Auta terminou por esquecer.

Foi durante a lua nova, quando o bezerro Mimoso estava começando a comer capim, lembrava muito bem, pois a finada Auta era dada a lastimações, predizendo agouro em tudo que lhe rodeava. Suplicando a morte, por tudo, a vida toda carregando a mesma lata d’água, remendada com cera de capuxú. Quem encontrasse com ela no caminho, basta dizer-lhe bom dia, era coroado de mil lamentos, queixando-se da artrite que lhe entortava as mãos, do calor no estômago, num sobe e desce, queimando tudo, o fígado, a mesma dor de cabeça e o esquecimento do mundo. Melhor a morte, que viver neste martírio. Deus, que é bom, devia lhe dar este prazer, o de morrer logo, melhor que enfrentar aquela dor nas costas e o desgosto de nunca ter tido filhos, nem saber cozinhar, quantas vezes subiu a barreira vermelha da Caiçara, chamando a morte.

Era preciso catar boa lenha, ia fazer um tempo de chuva danado, também, já não era sem tempo, voltava mais cedo, na baixada do riacho do meio tinha uma boa lenha de mororó e catingueira, levou a corda e um cutelo de foice. Achou uma boa touceira de marmeleiro, bastou chegar perto ouviu o maracá, preparou o golpe, só não contava com o resvalo da vara, a cascavel serpenteou grogue e sumiu na loca de pedra.

- “Comadre Auta! Cobra faz pastora. Melhor tomar cuidado”. Era a voz da razão e da experiência.
- Besteira, só acredito vendo, além do mais, tanto faz, a morte chega mais dia menos dias, melhor que essa vida, onde ninguém liga mais para um trambelho velho como eu, a gente vira mesmo é um encosto.

Mais tempo do que era preciso, veio chuva de novo, de repente sertão nasceu de sol vermelho, em pleno mês de maio, o inverno sumia deixando a folhagem órfã. Tinha um lado bom, madeira boa de queimar, o tempo da jitirana secar, depois de enxuta, era lenha que servia até para a fogueira, sabia de uma moita de pau-ferro, oiticica, marmeleiro...

Estava toda ronxada. Devia ter sido uma dor muito grande, pois, fazia tempo que não menstruava, Mestre Pereira conseguiu escanchelar os queixos, guardar a língua, só os beiços contraídos é que não cobriam mais os dentes, puseram o lenço do finado cobrindo-lhe o rosto de uma lividez esverdeada. Morrera ali mesmo, pelo visto a cobra estava esperando em cima da latada, deu o bote quando a comadre saía, o Mestre encontrou a serpente morta no oitão, a comadre vingou com o mesmo veneno.

 
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