Mestre Pereira
Curador de mordida de
cobra. Cuspia na boca do sujeito e pronto! Podia estar revirando os olhos,
saltava logo da rede e já podia comer a fussura
de um bode inteiro.
Só não pôde curar
comadre Auta, nem deu tempo, foi repentino, a cobra já estava esperando, foi
morder e morrer. Tinha já o veneno preparado. Aviso não faltou, Mestre Pereira
até que aconselhou mudar de lugar, porém o tempo passou e Auta terminou por
esquecer.
Foi durante a lua
nova, quando o bezerro Mimoso estava começando a comer capim, lembrava muito
bem, pois a finada Auta era dada a lastimações, predizendo agouro em tudo que
lhe rodeava. Suplicando a morte, por tudo, a vida toda carregando a mesma lata
d’água, remendada com cera de capuxú. Quem encontrasse com ela no caminho,
basta dizer-lhe bom dia, era coroado de mil lamentos, queixando-se da artrite
que lhe entortava as mãos, do calor no estômago, num sobe e desce, queimando
tudo, o fígado, a mesma dor de cabeça e o esquecimento do mundo. Melhor a morte,
que viver neste martírio. Deus, que é bom, devia lhe dar este prazer, o de
morrer logo, melhor que enfrentar aquela dor nas costas e o desgosto de nunca
ter tido filhos, nem saber cozinhar, quantas vezes subiu a barreira vermelha da
Caiçara, chamando a morte.
Era preciso catar boa
lenha, ia fazer um tempo de chuva danado, também, já não era sem tempo, voltava
mais cedo, na baixada do riacho do meio tinha uma boa lenha de mororó e catingueira, levou a corda e um
cutelo de foice. Achou uma boa touceira de marmeleiro, bastou chegar perto
ouviu o maracá, preparou o golpe, só não contava com o resvalo da vara, a
cascavel serpenteou grogue e sumiu na loca de pedra.
- “Comadre Auta! Cobra
faz pastora. Melhor tomar cuidado”. Era a voz da razão e da experiência.
- Besteira, só
acredito vendo, além do mais, tanto faz, a morte chega mais dia menos dias,
melhor que essa vida, onde ninguém liga mais para um trambelho velho como eu, a
gente vira mesmo é um encosto.
Mais tempo do que era
preciso, veio chuva de novo, de repente sertão nasceu de sol vermelho, em pleno
mês de maio, o inverno sumia deixando a folhagem órfã. Tinha um lado bom,
madeira boa de queimar, o tempo da jitirana
secar, depois de enxuta, era lenha que servia até para a fogueira, sabia de uma
moita de pau-ferro, oiticica, marmeleiro...
Estava toda ronxada. Devia ter sido uma dor muito
grande, pois, fazia tempo que não menstruava, Mestre Pereira conseguiu escanchelar os queixos, guardar a
língua, só os beiços contraídos é que não cobriam mais os dentes, puseram o
lenço do finado cobrindo-lhe o rosto de uma lividez esverdeada. Morrera ali
mesmo, pelo visto a cobra estava esperando em cima da latada, deu o bote quando
a comadre saía, o Mestre encontrou a serpente morta no oitão, a comadre vingou
com o mesmo veneno.